Iniciação Científica: etapas de desenvolvimento e benefícios para a produção científica nacional

Você sabe o que é Iniciação Científica (IC)? A IC consiste no estudo aprofundado de um tema escolhido pelo aluno em qualquer área do conhecimento, durante um ano, com o auxílio de um docente orientador.
Antes de elaborar o projeto de pesquisa, é importante realizar alguns questionamentos como “por que realizarei a pesquisa?”, “o que é preciso para realizar a pesquisa?”, “qual o motivo da escolha do tema e qual o objetivo para o meu crescimento científico e profissional?” e “qual será o professor orientador que possui afinidade e linha de pesquisa com o tema eleito?”. Após essas respostas será importante direcionar um convite para o professor orientador visando a produção do projeto. O professor orientador pode ter um projeto de pesquisa amplo (guarda-chuva) da sua área de domínio, o qual possa incluir o aluno de IC para trabalhar com alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, por exemplo. Nesse sentido, os programas de iniciação podem se apresentar em duas modalidades: remunerados ou voluntários. A iniciação e sua apresentação valem horas complementares e, após a conclusão do projeto, os resultados podem ser divulgados em eventos científicos, fornecendo certificados de apresentação para os discentes.
Um dos caminhos para conseguir fomento na pesquisa é submeter o projeto para avaliação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) ou no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI). PIBIC e PIBITI são financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Há também as agências estaduais de fomento à pesquisa, como a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect).
É fundamental que o estudante interessado mantenha sempre seu currículo lattes atualizado e tenha um cadastro no Sistema de Informação e Gestão de Projetos (SIGPROG). Em média a bolsa tem duração de 12 meses e o valor mensal estimado da bolsa é de R$400,00, sujeito a mudanças.Para conseguir uma bolsa PIBIC ou PIBITI os alunos de graduação devem ficar atentos aos editais divulgados pela Pró-Reitoria de Pesquisa. Assim que forem divulgadas as datas, o aluno deve procurar um professor da universidade e os dois devem se candidatar juntos para receber a concessão de uma bolsa de pesquisa. Para se inscrever, a dupla deve apresentar um projeto de pesquisa a ser desenvolvido. Além disso, é preciso entregar um relatório parcial após seis meses e outro, final, após doze meses de pesquisa. O projeto para submissão à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPP-UFMS), na vigência do edital para ICs, em geral deve conter: Introdução, Justificativa, Objetivos, Metodologia, Cronograma de Execução e Referências Bibliográficas. Ademais, cabe ressaltar que na modalidade de IC voluntária, o aluno possui as mesmas responsabilidades exigidas para os que possuem bolsa e o projeto também deve ser aprovado na vigência do edital específico para ICs voluntárias. A única diferença é que essa modalidade não conta com a remuneração ou fomento para pesquisa.
As alunas Isabela Pinto Zoccal, 19 anos, da Turma VI e a aluna Isabela Crispim Ribeiro, 19 anos, da Turma V do curso de Medicina concederam uma entrevista para o Jornal acerca de suas impressões sobre a participação em ICs.
ComuniCAMDPO - Para você, qual é a importância de participar de um projeto de iniciação científica?
Isabela Zoccal - Acredito que a IC nos permite aprofundar conhecimentos em uma determinada área de interesse, aprendemos a ler artigos científicos com criticidade e temos a oportunidade de apresentar trabalhos em eventos, além de publicar artigos em periódicos. Na IC, nós trabalhamos em grupo e somos orientados por professores doutores, o que é muito enriquecedor. Ademais, com o projeto, nós teremos contato com pacientes, assim, poderemos aprimorar habilidades semiológicas, mas, principalmente, o contato com outras vidas humanas, atributos fundamentais à atuação médica humanizada, ética, resolutiva e de qualidade. Vejo, por fim, que, a partir da pesquisa, encontram-se caminhos para transformar a sociedade, visando aos Direitos Humanos e à Democracia.
ComuniCAMDPO - Como foi conseguir o ingresso no projeto? Você poderia comentar as etapas para isso e o objeto de pesquisa do projeto em que você faz parte?
Isabela Zoccal - Para ingressar no projeto, passei por um processo seletivo, no qual enviei à orientadora uma carta de intenção expondo minhas motivações acadêmicas, pessoais e profissionais, uma cópia de meu currículo lattes e meu Histórico Escolar. O objetivo consiste no acompanhamento de adultos e idosos atendidos nas unidades da Estratégia de Saúde da Família do município de Três Lagoas/MS, analisando a prevalência dos fatores de risco para demência e fragilidade.
ComuniCAMDPO - Você poderia dar uma dica para alunos que também objetivam ingressar nesse tipo de projeto?
Isabela Zoccal - Esteja atento aos trabalhos científicos produzidos pelos professores. Acredito que demonstrar interesse aos docentes sobre o tema lecionado e perguntar se existe a possibilidade de uma IC seja um bom caminho.
Já, segundo Isabela Crispim: “Conseguir o ingresso na iniciação científica foi muito gratificante e participar do projeto é um grande prazer. Vi um recado no grupo de avisos da minha turma da professora Bruna Luchesi falando sobre as inscrições e me interessei pela oportunidade de ingressar em uma IC, em uma área que gosto muito, que é a geriatria, e com professoras por quem tenho grande admiração. Para a inscrição, escrevi uma carta de intenção e enviei para o email da professora Bruna, junto com meu histórico e currículo Lattes, como foi solicitado a todos os interessados. O objetivo da pesquisa consiste em avaliar o desempenho cognitivo de idosos cadastrados na ESF em Três Lagoas e analisar também a relação entre o desempenho cognitivo e a ocorrência e frequência de quedas nos idosos. Essa análise é relevante e muito interessante, uma vez que a pesquisa conta com o estudo da literatura e também com uma pesquisa mais "prática", no caso, a coleta de dados que é realizada com os idosos, na casa deles. Estou na equipe há pouco tempo, e já
me sinto muito feliz com o que aprendi, inclusive com a experiência de outras participantes”.
ComuniCAMDPO - Você poderia dar alguma dica para alunos que também desejam fazer uma IC?
Isabela Crispim - Creio que para ingressar em uma iniciação é preciso estar atento aos avisos de oportunidades e procurar não as perder por medo, como eu tive, de não conseguir. Além disso, conversando com colegas, vejo que também é importante ser uma pessoa proativa, conversar com os próprios professores, perguntar sobre as possibilidades de ingresso em alguma IC com ele. Acredito que participar de uma IC é uma experiência muito rica, não só pela relevância curricular, mas principalmente no âmbito do aprendizado adquirido, seja sobre o tema, a escrita científica em si, a trabalhar com as coletas, entre outros.
Do ponto de vista dos docentes, os professores doutores Edis Belini Júnior, 36 anos, e Adalberto Vieira Corazza, 45 anos, foram entrevistados para o jornal.
ComuniCAMDPO - Qual o seu foco de pesquisa para o desenvolvimento de projetos de iniciação científica?
Prof. Dr. Edis Belini - A principal área de atuação do nosso grupo está relacionada aos estudos envolvendo as Hemoglobinopatias. Hoje, no CPTL, contamos com um Laboratório muito bem estruturado com equipamentos de última geração. O Laboratório de Genética e Biologia Molecular é referência nacional para pesquisa e diagnóstico laboratorial das hemoglobinopatias. Referendado pelos principais centros de triagem neonatal (teste do pezinho), recebemos amostras de diversos laboratórios públicos e privados do país para realização de análises eletroforéticas, cromatográficas e moleculares no apoio ao diagnóstico confirmatório das hemoglobinopatias. Neste sentido, desenvolvemos pesquisas para a geração de tecnologias e algoritmos de diagnósticos; estudamos alguns marcadores genéticos e bioquímicos na doença falciforme e de outras hemoglobinopatias. Além disso, estudamos a incidência de genes das hemoglobinas anormais no estado de Mato Grosso do Sul. Outras temáticas estão sendo construídas para atender novas linhas de pesquisa, tais como: estratégias educacionais para capacitação de profissionais de saúde sobre o Programa Nacional de Triagem Neonatal no estado e estudo do impacto de agrotóxicos na saúde da população três-lagoense.
ComuniCAMDPO - A UFMS CPTL pode ser caracterizada como uma instituição incentivadora de projetos de iniciação científica?
Prof. Dr. Edis Belini - A pesquisa científica brasileira não vive os seus melhores dias e vários fatores podem ser discutidos para explicar tal realidade que, de certa forma, é preocupante. Se há problemas para desenvolver projetos de pesquisa, todas as etapas de geração de conteúdo científico e de projetos de ICs. Entretanto, tal incentivo provém de esforços conjuntos de diferentes esferas/pessoas na UFMS. Neste cenário, podemos destacar: i) o papel da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPP-UFMS) que anualmente libera edital para inscrições de propostas ao Programa Institucional de IC em que alunos podem desenvolver seus projetos com bolsa ou de forma voluntária; ii) a participação do CPTL na divulgação, apoio, disponibilização de espaço físico, articulações com outras instituições e orientação aos docentes e alunos; iii) o envolvimento dos Docentes na construção de projetos temáticos e permitir que os projetos de ICs possam ser executados nas linhas de pesquisa do pesquisador e iv) interesse dos discentes em desenvolver projetos de IC.
ComuniCAMDPO - Na sua opinião, quais os benefícios, para docentes e discentes em decorrência do envolvimento com a iniciação científica?
Prof. Dr. Edis Belini - O envolvimento de docentes e discentes no campo da pesquisa é fundamental para o enriquecimento constante na formação do aluno e, também, na atualização do docente. Por meio de projetos de IC, docente e discente criam hipóteses a serem testadas, respondem perguntas científicas e geram resultados que podem ter aplicabilidades diretas na sociedade e/ou construção de saberes básicos. Tal interação é de extrema importância por permitir aprendizados que na graduação não é possível de abordar de forma homogênea entre os discentes, por exemplo, como aplicação de análises estatísticas, proximidade de leitura e escrita científica, vivência em laboratório e/ou com grupos de pesquisadores e de pós graduandos, participação em eventos científicos com apresentação dos seus resultados, entre outros. Todo esse processo dispendioso, mas rico em sua essência, permite que o aluno adquira visão mais crítica de questões científicas traduzidas em situações diárias auxiliando-o a questionar e debater sobre diversos temas. Para nós, docentes e pesquisadores, o nosso combustível para tal jornada científica é o questionamento, a curiosidade e a busca incansável por respostas pautadas em evidências científicas que, na maioria das vezes, são provocadas pelos anseios da sociedade e dos discentes.
Ao ser perguntado sobre a sua área escolhida para a realização de pesquisa o Prof. Dr. Adalberto Corazza apontou: “No Laboratório de Movimento e Tecnologias Médicas (LAMOTEM) localizado no Prédio da Medicina (Unidade 8) do CPTL, o qual sou coordenador, tenho o grande prazer de conduzir estudos sobre Diagnóstico e Terapêuticas relacionados às Patologias e Disfunções do Aparelho Locomotor e Sistema Nervoso Periférico. Oriento estudos sobre otimização do rendimento e prevenção da fadiga física na saúde, na doença e no envelhecimento com recursos físicos não-invasivos como a Fotobiomodulação e Eletroestimulação formação de alunos sofrem prejuízos significativos. Mesmo com os desafios atuais, eu considero a UFMS/CPTL, dentro do possível, incentivadora Neuromuscular. Desenvolvemos estudos sobre reparo dos tecidos corpóreos utilizando a fotobiomodulação com Lasers e LEDs de Baixa Potência e enxertos biocompatíveis. O laboratório disponibiliza Eletromiógrafo (EMG), célula de carga, baropodometria e software de avaliação postural para analisar o movimento corpóreo, além de bicicletas ergométrica, equipamento de treinamento resistido Leg Press, LASERS, LEDs, Eletroestimuladores e Ultrassom de Baixa Potência”.
ComuniCAMDPO - Quais são as atribuições burocráticas que um docente coordenador deve realizar ao iniciar projetos de iniciação científica?
Prof. Dr. Adalberto Corazza - Para um acadêmico ser vinculado a uma IC, ele deverá escolher um docente orientador e depois definir o tema do estudo. Existem duas modalidades de IC: PIVIC e PIBIC. Para o aluno concorrer a uma bolsa, o projeto deverá estar cadastrado no ano anterior a Abertura do Edital do PIBIC, ou seja, caso deseje concorrer a uma bolsa em 2021, o Projeto deverá estar submetido no SIGPROJ em 2020. Inicialmente, o projeto será submetido pela Plataforma Brasil à Comissão de Ética em Pesquisa (CEP), caso exista participantes humanos ou em estudos experimentais com animais para a Comissão de Ética em Experimentação em Animais (CEEA), via email. Depois de aprovado, o projeto deve ser encaminhado via SIGPROJ, para avaliação pela Comissão Setorial em Pesquisa (CSP) do CPTL e na sequência os responsáveis pelo SIGPROJ encaminharão para três avaliadores analisarem o projeto de pesquisa. Após aprovado em todas as instâncias, será possível seguir com a pesquisa e solicitar bolsa para o acadêmico de IC, após a abertura do Edital do PIBIC. Na abertura do Edital do PIBIC, o docente orientador realizará o cadastro do projeto e apresentará uma ficha de produção científica. Após aprovação da proposta do projeto, o docente cadastrará o acadêmico para concorrer como IC. Diante da aprovação da Bolsa de IC, o acadêmico terá um ano para desenvolver o seu projeto. Nos primeiros seis meses é apresentado o Relatório Semestral de Acompanhamento Parcial e no término de um ano o Relatório Final, no SIGPROJ. O PIVIC apresenta fluxo contínuo para inscrição no edital, ou seja, permite a inscrição do projeto em qualquer momento do ano, visto que o acadêmico receberá a certificação de IC após apresentação dos resultados da pesquisa, mas será um programa voluntário. Independentemente do programa, sendo PIVIC ou PIBIC, o aluno da UFMS apresentará os resultados da pesquisa no evento denominado INTEGRA, que acontece em Campo Grande, normalmente em outubro. Devido a pandemia do COVID-19, em 2020 foi virtual a apresentação da pesquisa. Um aspecto muito importante da IC é a formação no campo ético. Um treinamento ético responsável e consistente durante a IC é uma das maiores contribuições para a formação dos futuros cientistas e cidadãos. O aluno que realiza uma IC aprende ou se aprofunda em técnicas e procedimentos diferenciados e se torna mais preparado para a prática clínica. Geralmente a IC é uma experiência que contribui muito para a formação acadêmica para um futuro mestrado e doutorado, além de adquirir uma medicina baseada em evidências para a prática clínica.
ComuniCAMDPO - A UFMS CPTL pode ser caracterizada como uma instituição incentivadora de projetos de iniciação científica?
Prof. Dr. Adalberto Corazza - Devido à quantidade razoável de Bolsas de Fomento, a UFMS incentiva a pesquisa científica na graduação. Por outro lado, a Fundect não tem disponibilizado fomento para equipar os laboratórios da UFMS com tecnologia de ponta. Mas, mesmo diante dessas adversidades de amparo à pesquisa, os pesquisadores da UFMS realizam parcerias com outros laboratórios públicos e privados
e têm alcançado resultados positivos em suas pesquisas.
Maria Cecília Gonçalves Martins é aluna da Turma VI de Medicina e responsável pela coluna “Você Sabia?''.
Texto de abril de 2021